quinta-feira, 12 de maio de 2011

Reflexões sobre o ensino de poesia




Reflexões sobre o ensino de poesia
Ana Elvira Gebara

Quando o poema chega à escola, algumas perguntas acompanham-no: "Como trabalhar com gêneros literários que não parecem fazer parte do cotidiano? Como torná-los significa­tivos para os nossos alunos? Como trabalhar com a autoria em gêneros que exigem domí­nio da tradição e uma busca pela inovação ­recorte da matéria linguística e temática de forma singular?".
Pensem, por alguns segundos. Darei a vo­cês, leitores, o espaço das reticências, em uma música de que gostem muito. Deixem que ela flua... Pensem agora como ela trouxe sensações, pensamentos, lembranças, outras canções ... Para vocês que a imaginaram, dado o prazer que ela trouxe, parece justo que ela tenha sido escolhida e que esteja aí na mente de vocês. Agora imaginem levar essa música para a sala de aula. Como justificar a presen­ça desse elemento prazeroso a vocês para outras pessoas de idade e experiências diver­sas as suas?
O poema entra na sala de aula pelas mãos do professor e, muitas vezes, essa indicação parece ser suficiente para que se aceite e se trabalhe com ele. Será verdade? Na Olimpía­da, cada um dos poemas foi apresentado de modo que a experiência de completude que eles traziam pudesse ser esclarecida como uma forma de se escrever dentro de tradições criadas pelos poetas que, por sua vez, se ba­searam em outros que os antecederam.
Dessa forma, ensinar poesia (em todos os seus subgêneros) é trabalhar o texto como resposta a uma necessidade, a alguém (o lei­tor), a um tempo definido. A poesia dentro des­sa concepção é um modo de viver o mundo (ver, sentir, experimentar e projetar) e cada composição poética reflete quem somos, o que pensamos, sentimos e buscamos.
Assim, nos poemas dos alunos, essa for­ma de entender a poesia se revela em percur­sos de sensibilização e consciência linguísti­ca e discursiva (sobre os temas e sobre o que os envolvia) que aparecem como elementos de autoria, pois cada passo nesses processos representa deixar de lado os discursos de ou­tros gêneros auxiliares no trabalho em sala de aula, como o da história do lugar; o do tu­rismo aliado à publicidade; e outros do entor­no do aluno, como o da instituição escolar e de grupos sociais desses alunos.
Os poemas também revelaram representa­ções construídas como as de vocês, leitores. Havia aquelas em conexão com as primeiras manifestações talvez da época das cavernas ou, de forma mais brasileira, com os índios em torno da fogueira. Havia outras que avan­çaram séculos, mas ainda estão relacionadas às formas mais populares, em subgêneros poéticos com ritmos e rimas regulares, bem ao gosto da poesia oral que tanto nos encanta.
Nas composições poéticas dos alunos, es­sas representações se realizam em formas da literatura oral, como o cordel e os poemas com quadras. O quê ela nos mostram?  Dois caminhos que agora podemos escolher para dar continuidade à presença do poema, em  sala de aula em leitura e escrita. O primeiro caminho é o da fruição, ou seja, depois de, tanto trabalho como o Poema,  precisamos recuperar a gratuidade da presença desses tex­tos em sala simplesmente porque fazem parte da nossa cultura e são experiências variadas que o aluno precisa ter para construir, pela interferência dessa presença, a sua leitura interpretativa, acompanhada de um gosto pes­soal. O segundo é o da percepção que cada professor constrói e pode ser condensado em três questões: "Os alunos são poetas para vocês? Os alunos são autores para vocês? Vocês são leitores dos seus alunos?". Res­pondendo a essas questões, vocês também iniciam um percurso que dará a eles um al­guém a quem respondam em confronto ou em harmonia, num tempo e espaço reais. Qual será seu primeiro passo?

Ana Elvira Gebara é mestre (1999) e doutora (2010) em letras, filologia e língua portuguesa pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universi­dade de São Paulo.





"A palavra existe, mas só à medida que é dita, como um fiat que sucede o vazio, o nada, o silêncio. Ao ser dita, a poesia instaura um sentido pela própria força de seu produzir-se enquanto verbo."
                                                                                                                                                 Alfredo Bosi
Fica o dito por não dito




o poema
antes de ser escrito
não é em mim
mais que um aflito
silêncio
ante a página em branco

ou melhor
um rumor
branco
ou um grito
que estanco
já que
o poeta
que grita
erra
e como sabe
bom poeta(ou cabrito)
não berra

O poema
Antes de escrito
Antes de ser
É a possibilidade
So que não foi dito
Do que está
Por dizer

E que
Por não ter sido dito
Não tem ser
Não é
Se não
Possibilidade de dizer
Mas
Dizer o quê?
Dizer
Olor de fruta
Cheiro de Jasmim?

mas
como dizê-lo
se a fala não tem cheiro?

por isso é que
dizê-lo
é não dizê-lo
embora o diga de algum modo
pois não calo

por isso que
embora sem dizê-lo
falo: falo do cheiro
da fruta
do cheiro
do cabelo
do andar
do galo
no Quintal

e os digo
sem dizê-los
bem ou mal

se a fruta
não cheira
no poema
nem do Galo
nele
o cantar se ouve
pode o leitor
ouvir
(e ouve)
outro galo cantar
noutro quintal
que ouve

(e que
se eu não dissesse
não ouviria
já que o poeta diz
o que o leitor
- se delirasse­ –
diria)

mas é que
antes de dizê-lo
não sabe
uma vez que o que é dito
não existia
e o que diz
pode ser que não diria


e se dito não fosse
jamais se saberia

por isso
é correto dizer
que o poeta
não revela
o oculto:
inventa
cria
o que é dito
(o poema
Que por um triz
Não nasceria)

mas
porque o que ele disse
não existia
antes de dizê-lo
não o sabia

então ele disse
o que disse
sem saber o que dizia?
então ele o sabia sem dizer?
ou porque se já o soubesse
não o diria?

é que só o que não se sabe é poesia
assim

o poeta inventa
o que quer dizer
e que só
ao dizê-lo
vai saber

o que

precisava
dizer
ou poderia
pelo acaso dite
e a vida

provisoriamente
permite



Ferreira Gullar.”Fica o dito por não dito”, in: Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: José Olimpio, 2010, PP. 21-25


José Ribamar Ferreira - São Luís do Maranhão (MA), 1930 -. Poeta, ensaísta e crítico de arte. Em 1949, iro livro de poemas, Um pouco acima do chão, mais tarde excluído de sua bibliografia. Vence rio do Jornal das Letras, do Rio de Janeiro, com o poema "O galo", em 1950, e no ano seguinte então capital do Brasil. Em 1954, publica A luta corporal, e se aproxima dos poetas Augusto e ), Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Décio Pignatari (1927 -), participando ativamente da primeira  fase do movimento concretista até 1957, quando rompe com o grupo paulista. Dois anos depois, em 1959, ­Manifesto Neoconcreto" no Jornal do Brasil, assinado por vários artistas plásticos - entre eles, (1927 - 2004), Franz Weissmann (1911 - 2005), Lygia Clark (1920 - 1988), Amilcar de Castro (1920­ pelo poeta Reynaldo Jardim (1926 -). A partir de 1961, participa do movimento de cultura popular, integrando o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Participa da fundação do ­grupo Opinião de teatro, em 1964, e é preso pela ditadura militar em 1968. Após um período na clandes­tinidade, segue para o exílio em 1971. Em 1975, em Buenos Aires, lê o longo "Poema sujo" para um grupo de amigos liderados pelo poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913 -1980), que consegue a publicação do livro em 1976 e encabeça um movimento de intelectuais a favor de sua volta ao Brasil, o que ocorre no ano seguinte.
Em 1980, é editada pela primeira vez a reunião de sua obra poética, no volume Toda poesia. Em 2010, recebe prêmio Camões, conferido pelos governos de Portugal e do Brasil e publica Em alguma parte alguma, em que dá prosseguimento à reflexão poética sobre a existência. (Enciclopédia Itaú Cultural - Literatura brasileira.
Disponível em <http://www.itaucultural.org.br/index.cfm ?cd_pagina=2690>.

( Revista Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro “ Na Ponta do Lápis” – ano VII – número 16 – p.10 a13- março de 2011)






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